COBRANÇA DO ICMS-DIFAL A PARTIR DA LC 190/2022: INCONSTITUCIONALIDADE. NOVO CENÁRIO DE INSEGURANÇA JURÍDICA

por Betina Treiger Grupenmacher

18/01/2022

 

O DIFAL – Diferencial de Alíquota correspondente à diferença entre as alíquotas interna e interestadual de ICMS cobradas nas vendas interestaduais de bens ou serviços destinados ao consumidor final.

Essa diferença de tributação somente era exigida nas operações interestaduais destinadas ao consumidor final, quando este fosse contribuinte do ICMS, uma vez que conforme estabelecia o art. 155, §2º, inciso VII, “b” da Constituição Federal nas operações interestaduais destinadas a não contribuinte aplicava-se a alíquota interna:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(…) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(…) VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

  1. a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
  2. b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

 

Ocorre que em 2015 foi promulgada a Emenda Constitucional 87/2015 que alterou a redação do inciso VII do § 2º do art. 155 e revogou as alíneas “a” e “b”, e fixou a aplicação da alíquota interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, cabendo ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual:

VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

  1. a) (revogada);
  2. b) (revogada);

 

Em face das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 87/2015, os Estados celebraram perante o CONFAZ, o Convênio ICMS 93/2015 que trouxe várias regras para cobrança do diferencial de alíquotas, relacionadas a sujeito passivo, base de cálculo, alíquota, forma de apuração e recolhimento do imposto.

A partir de então, os Estados, por meio de lei ordinária ou decreto, passaram a cobrar também o diferencial de alíquota nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, tendo sido atribuída a responsabilidade pelo recolhimento do imposto ao contribuinte localizado no Estado de origem (remetente).

Entretanto, considerando que nos termos do art. 146 da CF cabe à lei complementar, entre outras atribuições disciplinar, em matéria tributária, a fatos geradores, bases de cálculo, sujeito passivo da obrigação tributária, a constitucionalidade da cobrança do diferencial de alíquotas nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto foi submetida à apreciação do Poder Judiciário eis que inexistia tal previsão na Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir)

Em 2021, o STF julgou a ADI 5.469 e o RE 1.287.019 (Tema 1.093 da repercussão geral), e declarou a inconstitucionalidade de cláusulas do Convênio ICMS Confaz nº 93/2015 determinando a regulamentação do DIFAL por lei complementar, em razão do que foi editada a Lei Complementar nº 190/2022, publicada no Diário Oficial da União em 05/01/2022, para alterar a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) e regulamentar a instituição pelos Estados e Distrito Federal do DIFAL, devido ao Estado de destino nas operações interestaduais para consumidor final não contribuinte do imposto.

Todavia, a despeito de o artigo 3º da referida LC 190/2022  estabelecer que a sua vigência se daria a partir da data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c”, do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal, que determina que a norma deverá respeitar o princípio constitucional da anterioridade nonagesimal (90 dias contados da publicação) e anual (vedação a produção de efeitos no mesmo exercício financeiro da publicação), as leis internas dos Estados e Distrito Federal não foram alteradas após a decisão do STF, no sentido de assegurar a observância dos referidos princípios.

Assim, embora alguns Estados tenham editado atos normativos, como por exemplo, Paraná (Lei 20.949/201) e Minas Gerais (Decreto 48.343/2021) e outros tenham disponibilizado apenas avisos e comunicados em seus sites oficiais no sentido de garantir a observância de noventa dias para cobrança do ICMS-DIFAL, a intenção de cobrança do imposto ainda em 2022, sem a observância do princípio constitucional da anterioridade é, por ora, unanimidade entre os entes federativos.

Nesse cenário, diante da renovada insegurança jurídica quanto à incidência ou não do diferencial de alíquotas, sem observância dos noventa dias, em alguns Estados, e no exercício financeiro de 2022, vislumbra-se a possibilidade de provocação do Poder Judiciário no sentido de que se manifeste em relação à ofensa aos  referidos princípios, no que diz respeito à produção de efeitos da Lei Complementar nº 190/2022.

 

 

 

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